Consciência negra no cotidiano: como fé, cultura e tradição seguem vivas em Divinópolis
20/11/2025
(Foto: Reprodução) Dia da Consciência Negra: advogado comenta os desafios da população negra no Brasil
Em Divinópolis, a consciência negra se manifesta na fé, na arte, na pesquisa e nas tradições que atravessam gerações. Ela aparece em quem mantém viva a cultura da periferia, preserva ritos ancestrais, transmite saberes comunitários e reforça identidades negras no dia a dia, longe dos holofotes. No Dia da Consciência Negra, o g1 ouviu moradores que carregam essa herança e ajudam a sustentá-la na cidade.
Segundo o Censo 2022, Divinópolis tem 231.091 moradores. Desse total, 105.993 se declaram negros, somando pessoas pretas e pardas conforme a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O grupo representa quase metade da população e está presente em coletivos culturais, terreiros, congadas, grupos de pesquisa, projetos sociais e manifestações que formam a memória afro-brasileira do município.
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Fany Santos: consciência negra pela cultura e pela palavra
Fany Santos atua em projetos que fortalecem a cultura da periferia e a expressão da população negra na cidade
Fany Santos/Arquivo Pessoal
Para Fany Santos, 28 anos, a consciência negra se afirma na produção cultural, na ocupação de espaços e na criação de narrativas próprias. Nascida em Santo Antônio do Amparo e com raízes em Oliveira, ela encontrou em Divinópolis um caminho para fortalecer a identidade da periferia por meio da arte.
Além de body piercer, Fany organiza eventos e projetos culturais que dão visibilidade à comunidade.
“Acredito que a cultura é base e ferramenta de construção de futuro”, afirmou.
Na Casa Coletiva, onde atua como produtora, Fany acompanha batalhas de slam e evidencia o poder transformador da palavra. “Já vi versos salvarem dias e criarem caminhos”, contou.
A consciência negra também aparece no seu trabalho artesanal, em que cria velas, incensos e produtos de autocuidado. “Minha arte nasce do toque e do cuidado, transformando elementos naturais em experiências”, disse.
Integrante de um coletivo de mulheres pretas, ela usa a fotografia para registrar vivências e valorizar a estética, as histórias e a força da população negra. “Minha trajetória é minha, mas também é delas”, refletiu.
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Célio Lopes: fé, resistência e identidade
Célio Lopes preserva tradições do Candomblé de Angola e atua no Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial
Célio Lopes/ Arquivo Pessoal
Para Célio Lopes, 45 anos, a consciência negra está na fé e no cotidiano da comunidade. Nascido e criado no Alto São Vicente, ele define o bairro como um berço de resistência cultural.
“Minha vida já é uma forma de resistência. A fé é crucial na preservação das raízes negras. Não importa se é Jeová, Alá ou Oxum, o importante é ter onde se agarrar”, declarou.
Zelador da Associação Cultural Roça Mãe Danda, do Candomblé de Angola, e integrante do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, Célio sustenta práticas que mantêm vivas tradições ancestrais. Os ritos, as festas e a convivência comunitária reforçam o pertencimento de crianças e adultos.
Ele destaca a Festa de Cosme e Damião como exemplo dessa construção coletiva. “A Festa de Cosme e Damião, por exemplo, leva crianças carentes para o Candomblé e promove uma celebração completa. É um momento de união e alegria”, explicou.
Para Célio, a consciência negra também envolve o enfrentamento diário ao preconceito e ao racismo religioso.
“A cada dia enfrentamos desafios, mas a nossa resistência é forte. A luta pela igualdade e pela valorização da nossa cultura não pode parar”, afirmou.
Com mais de 80 filhos de santo, ele vê no terreiro um espaço de acolhimento e continuidade. “Ser do Candomblé é mais do que uma religião. É uma forma de vida, sobre amor, respeito e a força que encontramos na nossa ancestralidade”, completou.
Jéssica Moreira: tradição, memória e pertencimento
Jessica Moreira dedica mais de 20 anos ao reinado e à preservação das tradições afro-brasileiras em Divinópolis
Jessica Moreira/Arquivo Pessoal
A consciência negra de Jéssica Moreira da Silva, 32 anos, se expressa na dança, na pesquisa, na fé e no compromisso com a comunidade. Presidente da Congadiv e estudante de Serviço Social na UEMG, ela dedica mais de duas décadas ao Reinado, tradição que acompanha desde a infância.
Capitã do Moçambique Santa Bárbara e Nossa Senhora do Rosário, Jéssica vê no reinado uma forma de manter viva a herança dos ancestrais.
“O reinado nos conecta aos cantos, danças e tambores que nos guiam. É uma forma de honrar aqueles que vieram antes de nós”, disse.
Além da atuação nas festas e irmandades, Jéssica coordena a pesquisa “Memória do Rosário Cantado e Contado”, que registra histórias e práticas da cultura afro-brasileira na cidade.
“A pesquisa reconhece e valoriza nossas raízes. É fundamental que as novas gerações conheçam sua história”, destacou.
Para ela, a consciência negra passa também pelo pertencimento e pelo afeto coletivo. “Dançar debaixo do sol ou da chuva é uma experiência que não tem explicação. É um chamado ancestral que me move”, afirmou.
À frente da CONGADIV, Jéssica trabalha para unir irmandades congadeiras, reinadeiras, festas de cruz, folias de reis e grupos correlatos.
“A comunidade é essencial para preservar a nossa cultura. Juntos, fortalecemos as raízes e garantimos que elas continuem a florescer”, concluiu.
*Estagiária sob supervisão de Mariana Dias
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